quinta-feira, 13 de agosto de 2009

- Hoje é o casamento da Dona, você vai?

Eu, contida no meu vestidinho vermelho, com as costas nuas.
A Dona me lembra aquela música do Robert Carlos: "Índia seus cabelos nos ombros caídos, negros como a noite que não tem luar..."
É só esse pedaço que eu sei. E ele é o bastante pra que eu lembre da Dona.
Ela tem mais de sessenta anos e a igreja está cheia.
Ela está vestindo um conjunto num tom suave de azul, um chapéu com uma rendinha por cima.
O noivo usa bigode.
A música tocando na minha cabeça e eu contida no vestidinho vermelho.
Costas nuas.
A Dona tem cabelos grisalhos e crespos, não chegam a metade do pescoço.
É branca e todos os seus descendentes também são.
"Índia seus cabelos nos ombros caídos, negros como a noite que não tem luar".
O tapete da igreja se confundia comigo, ás vezes.
O pastor "abriu" o microfone para quem, porventura, tivesse algo contra aquela união.
Ora!
Se podem se erguer para acusar, qual o problema de aproveitar a ocasião para prestar minha homenagem?
Parte de mim dizia isso.
Parte de mim era sã e ficou de cabeça baixa.
A outra ergueu uma mão.
A mão ergueu o corpo.
As pernas o arrastaram para o altar.
E lá fui eu em passos desarranjados.
As pernas lá na frente e o corpo quase que pendurado.
E o vestidinho vermelho, com as costas nuas, se misturava ao tom do tapete.
Todos me olhavam.
Eu, no lugar deles, teria achado graça.
Mas eu, no meu lugar, não achava.
Eu ainda estaria sentadinha no banco - a sã.
Mas, estava eu empunhando o microfone e me posicionando numa pose falsamente graciosa à frente daquele volume de pessoas - a outra.
A Dona e o noivo, com bigodes, me olhavam com assombro, quando comecei a cantar.


Ilustração: Getulio Ribeiro