
Há 8 meses uma turma vem mostrando sua identidade no cenário audiovisual de Nova Iguaçu. Eles tem entre 18 e 26 anos e, agregando saberes - além do cinema - sobre música, fotografia, produção cultural e design, formam a produtora Belê Filmes. Em janeiro do presente ano, propiciaram a estreia do Cineclube Digital, uma parceria com o SESC de Nova Iguaçu, que acontece toda segunda terça-feira de cada mês. “Essa parceria surgiu de um convite do Valdomiro Araújo, produtor do SESC. Ele queria um grupo pra montar um Cineclube e achou que a gente tinha a ver”, explica Brunna Sanches, 25 anos, cursando o 6º período de Produção Cultural no IFRJ - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio - e, assim como a maioria dos integrantes da Belê, é ex-aluna da Escola Livre de Cinema, em Miguel Couto.
A cada sessão, que conta com a exibição de curtas e intervenções artísticas, um tema é pré-selecionado. Na noite de 13 de janeiro, “Filmes da Baixada” foi o assunto que principiou as projeções do Cine Digital, que tem sua entrada gratuita e início às 19 horas. Nessas ocasiões, já passaram pelo palco do teatro do SESC, o músico Octávio Aughusto, o ator Eduardo Jericó – que apresenta stand-up comedy, os VJ's Paulo China e Mossad, além de debates com cineastas como Cavi Borges, Danilo Solferini e Henry Grazinoli, nos quais o público, após assistirem a filmes produzidos por eles, pôde interagir, expondo suas dúvidas e opiniões.
Homenageando o mês do folclore, a sessão de agosto teve seu tema defendido por Melise Fremiot que trouxe a ideia: Mostrar a cultura popular brasileira. “Eu gosto muito, acho que a gente tem uma cultura muito rica”, justifica a moça, de 24 anos, que logo recebeu o apoio de Brunna Sanches. O Cine Digital é associado a Programadora Brasil, um programa da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura, que disponibiliza a autorização para que os filmes sejam exibidos nas sessões. “A gente compra o pacote, já temos bastante filmes”, afirma Mel, que encontrou um obstáculo para a concretização do tema escolhido: “Eu tive que realmente fazer uma pesquisa, porque eles separam por assunto, mas não tinha nenhum falando sobre folclore e cultura popular”.
Disposta a fazer a sessão acontecer, Melise passou então a pesquisar na internet e no próprio site da Programadora. “Fui lendo sinopse por sinopse e aí fui achando alguns que se encaixavam”, diz. Foram selecionados 10 curta-metragens: “Caçadores de saci”, “A última lenda”, “A velha a fiar”, “Como surgiu a noite”, “Açaí com jabá”, “Batuque na cozinha”, “Historietas assombradas”, “Maré Capoeira”, “O saci do Morrinho” - produzido pela TV Morrinho - e, recebendo a preferência de Mel, “A menina do algodão”. Com duração de 8 minutos, o curta trata da história de um mito, conhecido por aqui como “A loira do banheiro”. “Eu gosto muito dele porque me lembra muito minha infância. Na minha escola era uma loucura essa história da loira”, relembra a moça.
“Não sou muito fã de filmes regionalistas, mas achei legal. Teve uns vídeos bem divertidos”, avalia Cristiane Corso, 23 anos, frequentadora do cineclube. Acompanhada de sua mãe, ela destaca a exibição do “A velha a fiar”, datado de 1960, que, em 6 minutos, ilustra uma canção popular originada do interior do país. “A minha mãe falou que ouvia aquela música quando era criança, que nunca imaginou ouvi-la outra vez”, revela Cris.
Não bastasse as inovações na programação dos filmes da noite, Melise surgiu com a proposta para a intervenção: “Eu achei que seria legal a participação de alguma coisa da cultura popular mesmo”, alega ela, “Lembrei do repentista, aí eu batí o pé que queria a presença de um. Todo mundo concordou”, conta ela, a respeito da aprovação dos demais integrantes da Belê. Eles, porém, não faziam ideia de onde encontrar o artista do gênero. Foi então que Valdomiro, o produtor do SESC de Nova Iguaçu, lembrou-se do contato de Miguel Bezerra, que já havia se apresentado por cinco vezes no palco do local. “Eu ouví do camarim quando ele estava ensaiando, achei bem legal. Ele tem um sotaque bem carregado”, admira-se Mel.
Além do sotaque, o repentista carrega uma bagagem muito grande em relação a cultura nordestina. Nascido em Pernambuco, passou a infância acompanhando o pai em suas apresentações, quando ficava quietinho sentado no chão pensando: “Eu acho que faço isso”. Já aos 10 anos de idade, desafiava os outros meninos que, juntamente com ele, trabalhavam na roça, em duelos de versos repentistas. Com 15 anos, deixou a casa dos pais e passou a sobreviver do que antes era admiração e diversão entre amigos. Hoje, aos 58 anos, é diretor cultural da praça Catolé do Rocha, na feira de São Cristóvão, onde é encontrado às sextas, sábados e domingos, em duelos que garante nunca ter sido vencido. “Eu vivo do repente, nunca assinei uma carteira pra nada”, declara ele, que no ano passado recebeu a premiação de “Celebridade
Foi com informações sobre sua vida e sobre as modalidades do repente, que Miguel Bezerra incrementou sua participação na sessão do Cine Digital. Improvisava e fazia versos utilizando o que via na plateia, arrancando aplausos e gargalhadas. “Foi muito engraçado”, confirma Rafaela Cotta, 18 anos, “Fiquei com medo dele falar algo de mim, porquê sou muito tímida”, entrega a moça, frequentadora e colaboradora do cineclube. O repentista comprovou o encanto causado ano passado em Gabriel, o Pensador, num duelo ocorrido no Espaço Sesc, em Copacabana, no ano passado. Miguel conta que, em determinado momento, Gabriel simplesmente deixou o palco e foi sentar-se junto a plateia para acompanhar o espetáculo, dizendo “Não tem como, ele cria muito”. “O Gabriel é um poeta mesmo. Quando ele fez isso, aí que eu me inspirei mais”, lembra ele, afirmando que esse foi o maior desafio de repentes enfrentado por ele, que considera “O Pensador” um dos melhores músicos da atualidade.
Com um acervo de troféus e diplomas, 3 filhos, 4 netos, casado até hoje com a namorada Iguaçuana que o fez vir morar na cidade e com constantes convites para apresentações, Miguel Bezerra se mostra satisfeito com o espaço que alcançou com o longo dos anos. “Eu consegui alcançar uma boa visibilidade, mas muitos não”, lamenta ele, a cerca do cenário repentista ainda precário na Baixada Fluminense. “Faço apresentações em muitas escolas do Rio de Janeiro, por exemplo, e aqui em Nova Iguaçu é difícil de chamarem algum repentista”, acrescenta ele. “Só conhecia pela TV, mas nunca tinha percebido como era difícil e lindo”, sintetiza Rafaela, sobre a arte nordestina. “É de se admirar a facilidade que ele tem de falar as rimas”, completa Cris Corso.
A produção mais recente da Belê Filmes foi o curta “Cueca ao avesso”, em parceria com a Cavídeo, que teve sua “pré-pré-estreia” reservada para amigos, ao final da sessão passada do Cineclube Digital. A ideia original do roteiro surgiu na oficina Tela Brasil, que aconteceu ano passado em Nova Iguaçu. Criado por Barnabé Anderson, ator e um dos coordenadores da Escola Livre de Cinema, recebeu adaptação e direção de Miguel Nagle, um dos membros fundadores da Belê, que está em São Paulo cursando a formação de direção de cinema na AIC – Academia Internacional de Cinema. Mesmo de longe, continua acompanhando os amigos e, sempre que pode, regressa ao Rio para produzir em conjunto com eles.
A próxima sessão do cineclube será dia 8 de setembro, quando trará como convidada a professora de artes cinematográficas do IFRJ, Andréa Falcão. Serão exibidos 3 filmes dirigidos por ela, seguidos de um debate sobre sua especialidade.
Douglas Gomes, Desiré Taconi, Luan Felipe, Thiago Barbosa, Miguel Nagle, Melise Fremiot, Brunna Sanches, Bruna Jacubovski e Vagner Vieira podem ser acompanhados no blog: cineclubedigital.blogspot.com. Lá, pode-se encontrar as programações do Cine Digital, além de registros das sessões passadas e boas dicas sobre audiovisual.
