sexta-feira, 11 de março de 2011

O fim da argila

A argila embrulhada em saco plástico e jornal, lá no fundo do armário - "pro dia em que sobrar tempo pra fazer alguma coisa legal" - estava dura e havia um líquido estranho ao redor dela. Além de ocupar o espaço que uma bola de futebol ocuparia. Decidí jogar fora. No corredor, esbarrei com meu irmão. Ás vezes ele sai do computador e dá pulos na cozinha pra beliscar um doce ou beber uma água. Meu irmão me convenceu a fazer pequenos bolotos com a argila e atirar pela janela, tendo como alvo um terreno abandonado, do outro lado da rua. O matagal do terreno ultrapassava seus muros. Antes do abandono, devia ser o jardim de alguém, ou mesmo, parte do velho brejo. Fizemos com a argila uma quatro bolotas bem gordas, pra ter peso suficiente pra atingir o outro lado da rua. As três primeiras caíram dentro do terreno. Pra cada bola, folhas sacudiam e pequenos pássaros voavam. As bolotas foram lançadas por revezamento. Meu irmão começou. A quarta e última era minha. Lancei. No ar, vi um troço despencando. Foi tão rápido que não deu pra identificar se era bicho ou coisa. Mas quando um passarinho levantou seu vôo manco, percebi que a culpa era minha. A sorte é que as tias que visitavam a  mãe estavam em outro cômodo. Eu torcia poder contar com o sigilo do meu irmão. Minhas tias e minha mãe me detonariam com acusações. O pensamento sobre culpa e qualquer intenção de tentar ajudar o pássaro, foram substituídos pelo pavor que eu e meu irmão sentimos com uma nova visão: Uma cobra amarela surgia escalando o interior do muro do terreno abandonado. Uma cobra amarela, cuja cabeça tinha o tamanho de meu corpo inteiro. Ela se erguia e olhava pra mim, com um olhar de acusação que superava os olhares de minhas tias reunidas. Eu e meu irmão saímos da janela e corremos, combinando que precisávamos levar a família para o cômodo mais seguro da casa: Qualquer um que não tivesse janelas, só uma boa porta pra trancar. Mas as tias, espalhadas pela casa, não queriam deixar a TV, o telefone e o papo. Não suportei o medo.