Senti um cheiro que me lembrou lancheira. Lancheira com aquela garrafinha térmica de nescau, aquele potinho de plástico com biscoito e tampa colorida e aquela toalhinha com nome bordado.
No jardim de infância, eu invejava a lancheira da Xuxa de uma menina. A lancheira brilhava no sol e era rosa de doer os olhos.
Já no ensino fundamental, eu invejava as mochilas de carrinho: Aquelas grandes e robustas, com estampa de personagem da Disney.
Eu estou com 20 anos e nunca tive uma mochila dessas.
Lá pela sexta série, minha mãe me deu um "carrinho" de ferro onde eu podia amarrar minha mochila preta e arrastá-la sobre as rodinhas.
Que eu me lembro, foi uma das minhas primeiras frustrações da minha vida.
Acho que coisas assim faziam que eu me dedicasse a ser "estudiosa" e a fazer os melhores trabalhos de educação artística e redação. Eram aqueles tipos de apresentação de trabalho que a turma vê e aplaude. E que, depois, se for bom mesmo, a professora cola estrela no seu peito e te pendura uma medalha no pescoço.
Dos "espertos" os coleguinhas não exigiam lancheira da Xuxa ou mochila de personagem da Disney. Os "espertos" eram involuntariamente queridos, especialmente em dia de prova.
Depois chega a fase que a gente passa a ter vergonha de levar lancheira e mochila de carrinho. É a fase em que você precisa ter grana pra comprar coisa boa na cantina. Eu ganhava R$2 por dia - o que naquela época dava pra comprar salgado, refri e ainda sobrava uns quebrados. Foi quando eu aprendi a ser "esperta" e trocar fome por dinheiro.
Os R$2 eram suficientes mas não eram constantes. Eu guardava dinheiro pensando nos dias sem eles. Aí eu ficava sempre com fome e com um canguru de pelúcia cheio de notas de R$1.
Literatura e olfato são amigos?
Pergunto porque hoje, passando pela rua, senti cheiro de gente tomando banho em piscina de plástico azul.
E aí acontece que vem aquele cheirinho - que ás vezes nem é real - e de súbito vem uma história pra contar. E quando você tenta se agarrar na memória da história, num instante some tudo.
Quando eu voltava pra casa de ônibus, num percurso de meia hora, eu cismava que sentia o cheiro da comida que minha mãe estava fazendo pro almoço. Eu sempre acertava! E contava pra família afirmando que meu nariz era mágico.