“Era uma vez, Hoje, seu discurso não carrega mais o tom de expectativa, mas o de orgulho, quando conta, pra quem for possível contar: “Eu estudo na Escola Livre de Cinema, lá
Caroline da Costa e Diego Bion são os mediadores da turma
Se, em aula, um “cof-cof” – típico de quem quer se anunciar para algum pronunciamento – for ouvido, já se sabe que vem de Elion, e que ele vai ser seguido por um “Sabe...” e por uma de suas concepções. “As frases dele sempre começam assim”, conta o mediador. O pequeno futuro cineasta alimenta uma grande curiosidade por tudo. Saber a origem das coisas é uma grande preocupação para ele, tais como: “Como era o cinema antigamente?” ou “Como é que faz para as imagens irem pro computador?” Esse interesse, aliado a extraordinária memória que o menino carrega, faz com que ele sempre tenha uma resposta na ponta da língua. “Teve um dia que ele contou como surgiu a luz elétrica”, relembra Carol, “Ele começou a seguir uma linha de raciocínio, que contou até a data, o nome do cara, como aconteceu da pipa e o trovão”. Os demais alunos, a princípio acharam graça, pensando que fosse pura invenção, mas logo foram alertados pela mediadora: “Não gente, presta atenção, porque o que ele está falando aconteceu mesmo”.
A dupla de mediadores já tem estratégias para lidar com
Elion, caso ele resolva contar uma de suas histórias em algum momento em que a produção não possa parar, por exemplo, basta lhe entregar uma folha de papel e um lápis. Dessa forma, nem ele, nem a turma deixarão de produzir. E é justamente onde ficam guardados esses objetos que Elion vai direto, feito ímã, assim que chega na escola, perguntando logo se pode fazer uma historinha. “O castigo dele é tirar a televisão ou o desenho”, conta a mãe, sobre o fascínio de Elion por um canal de cultura.
Raquel tem que comprar, por mês, um pacote com 500 folhas de ofício para atender a demanda de novas histórias. O psicólogo de Elion, Patrick, aconselha que Raquel não impeça a produção delas, pois é a forma que o menino tem de extravasar seus sentimentos. Quando a mãe avisa que a quantidade tem que durar por dois meses, para economizar, Elion confecciona os “livretos”, que são feitos com as folhas cortadas em 2 ou 4 pedaços, utilizando todo e qualquer espaço
Outro aspecto que também chama atenção é que, grande parte das palavras, não são escritas em português. “Eu gostaria que o Brasil falasse inglês”, confidencia ele. O curioso é que Elion não faz curso algum da língua, tem somente as noções básicas na escola e expressões como “The end” no final dos desenhos que assiste na TV. “Ele sempre poe
A presença de objetos, construções e carros antigos, e cenários em outros países, como Londres e Egito, também são marcantes. “Ele fala que queria ter nascido lá pra 1.800, aí pergunta como era Nova Iguaçu naquela época”, explica a mãe, que não sabe de onde o filho tira tais interesses, “Ele fala que não gosta de modernidades”. Essa ligação com a beleza do passado e as tradições, influencia na forma com que Elion se expressa verbalmente. Basta conversar com ele por cinco minutos para perceber o vocabulário impecável do menino. “Meus colegas ficam fazendo pegadinhas, ficam falando errado, eu queria ter nascido antigamente”, lamenta. “Eu sempre falei com carinho, mas nunca falei “nana” pra banana, “cocó” pra galinha”, justifica Raquel. Quanto as gírias e a linguagem dos amigos, Elion já planeja uma solução: também quer ser prefeito, para criar as leis da linguagem.
Mãe e filho tem um relacionamento de amigos. Raquel leva até bronca quando algum dos desenhos se perde. “Alguns eu não entendo, então penso que é lixo”, confessa, “Eu jogo fora algumas histórias quando ele está dormindo ou na escola”, conta ela, reclamando da falta de espaço para guardar as tantas páginas. Nas ilustrações, os personagens são facilmente reconhecidos. Os mais comuns, os primos Quenái e Guilherme, a mãe Raquel, Letícia(a menina com quem diz que vai se casar) e o próprio Elion, recebem sempre os mesmos traços e características. A auto-reprodução do menino, traz sempre um grande topete. “Quando ele não está muito de bem com a vida, demonstra logo na historia”, conta Raquel, mostrando algumas das expressões carrancudas desenhadas no personagem que representa Elion.
“Teve uma vez que ele já tava terminando um desenho, só faltava ele terminar, daí eu fui e rabisquei tudo”, confessa Thalia da Silva Soares, de 11 anos, dizendo ter agido por impulso. O caso fez com que Elion desatasse a chorar, tamanho o apego por suas criações. Porém, muito carinhoso, ele não pensou duas vezes ao perdoar a menina, que logo pediu desculpas, terminando o assunto com um aperto de mão. Thalia – que o conheceu no primeiro dia de aula, quando ele
desenhava, e logo o pediu para que desenhasse um passarinho – conta que gosta dos assuntos trazidos por Elion. “Ele conta sobre os desenhos, sobre as verduras, sobre filmes e planos de filmagem usados neles”.
As “verduras” citadas pela menina são da animação “Os vegetais”, que, numa temática evangélica, transmite lições de cidadania em seus episódios musicados. O DVD, entre outros, é levado por Elion para a ELC, e predomina nos minutos que antecedem as aulas. “Uma vez, eu estava na ilha de edição, e aí eu to ouvindo o desenho dos vegetais e uma criança cantando”, narra o mediador Bion, “quando eu fui lá fora ver, ele estava “de patrão” deitado nas almofadas, com as mãos na cabeça e pernas cruzadas, vendo o desenho e cantando”, lembra ele, divertido.
Os próximos planos de Elion incluem uma filmadora, para fazer suas histórias em vídeo – projeto para o qual moedas já estão sendo guardadas num porquinho – e levar seus desenhos do papel para as telas. “Agora ele cismou que vai fazer quadros”, conta a mãe. Elion já promete: “Eu vou fazer uma tela e você vai ver como vai ficar bonita, vai ficar igual da Tarsila do Amaral”.

Após seu primeiro desenho – uma reprodução da arca de Noé – na escola, aos 2 anos e meio de idade, Raquel escutou da professora de seu filho: “Isso aqui, na idade que ele tem, é um tesouro que vai ficar pro resto da vida”. E é como um tesouro que o talento do menino é diariamente recebido. “A gente dá muita atenção aos desenhos dele, porque realmente são muito especiais. Ele tem uma criatividade imensa”, garante Carol, que atua na ELC há 1 ano e 6 meses.
Quando aos filmes que vinham sendo produzido pelos alunos do Bairro-Escola, sobre os contos de Câmara Cascudo, é Elion quem garante: “Vocês precisam saber que esse DVD vai ser muito bom, todos vão gostar”, diz o desenhista mirim, que participou ativamente de todas as áreas da produção, “Bom, essa é a minha fala de hoje”, encerra ele.

